sugava transparências
amanheceu morto de excesso.
A morte é leve
e pesa a superfície.
Encheu-se o aquário
de vazios e rastros esparsos sobre o vidro
confundem memória e silêncio.
O peixe que ontem
mastigava a ausência
destilou-me a espera.
A vida breve
dispensa a superfície.
Encheram-se de vazios
os meus restos –iscas dispersas entre as águas
confetes que não me alimentam.
O peixe que ontem
distraía o absurdo
enfeitou amor e luto.A vida é febre
e ferve, e agora
é recriar o aquário oculto
limpar vidro, excesso
líquido.
Limpar o peixe: comê-lo;
e transbordar
o vazio.
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Autora : Mónica de Aquino
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Guião para Mar e Estrelas, Aurelino, Faina e Pescadeiras
Semi-média metragem com supetões onaníricos e reais impressionados.
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O barco é um potro de carrossel, salta mas não passa. Repete: salta e não passa. Salta, salta sempre. As estrelas não repetem, não actuam. Estão sempre lá. Uma mortandade luminosa indicando para onde se não deve ir. O mar é a hiper-placenta. Talvez o lugar único da saudade.O combate parteiro-edipiano pelo saque – salvando a gnose anímica pela extensão técnica, evitando o corpo-a-corpo – é levado na barra das heranças materiais para a solvência dos axónios no trânsito terrestre. Talvez aquele corpo desanimado de tainha viesse evolucionalmente a desaguar num humano. Terrível, de terra.(imagem madrugal dos pescadores)Compor o corpo. Em fina areia de pescado estendido, entre sal, salsugem e guelras, o prenúncio de Aurelino pelas pernas nuas. Ouvem-se as pescadeiras no sonoro do seu comércio. Depois do susto, a evasão recordativa em off: “ó virgens que passais ao sol poente”. Uma jovem vai definhando de sereia até velha sob o pendor das matracas procissionais “Ouh! Ouh!”. A vida guarda-se em gelo.Aurelino inicia o Bairro Latino. Sai imageticamente das águas, beija as estrelas, e mantém-se no ar. O seu redor visual é o cosmos perpassado pelo preto das pescadeiras, tumultos marinhos e perdas. Aurelino cerra os olhos. O Bairro Latino continua e vai-se cravando lancinante nos lombados de todos os existentes. O poema de Nobre é a constituição textual da metragem, um miradouro uniteísta sobre a insolvência dos destinos.A faina estala o corpo. A pulsão do encontro maternal em Amor de Afogação escorrega pelo convés. O adeus do bairro é uma dissolução às vezes reatomizada num cigarro de extenuação. As cartas de marear – as mais esotéricas de todas – encontram a sua infra-estrutura na sueca, ou no cristo batido na mesa dos morcegos. Há quem leia uma fotografia em subterfúgio. Perdido de lembranças, o marinheiro lança-se à água, disse que estava sujo. Os olhos fecham e abrem, assim desaparecem as mais distantes das estrelas. A voz mantém a terra. Nunca a ouvem. As novas ladainhas encofram-se no cd, uma realidade de vácuo.A palavra nobreana do adeus veiculada por Aurelino apaga todos os pontos luminosos, o próprio escuro é engolido.Os descobrimentos marítimos só se clareiam na lota das oportunidades.Aurelino compra um tamboril. O ruído semântico das pescadeiras afoitas é semelhante à marulhada que galgou os pescadores durante 18 dias.Volta Aurelino ao areal pelo princípio da noite. Abre o “Só” e repete: “Adeus! Adeus!”. Ouve-se o estrondoso aplauso marítimo.
Autoria : Poma Fidiró
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